A mulher estava ali fazia certo tempo. Sentada, imóvel, introspecta, mergulhada em seus pensamentos, sabe-se lá Deus (ou o diabo, que é quem mais entende de pensamento de mulher) quais.
Todos os passantes espichavam o olhar para aquela figura no mínimo, exótica, ali parada, como se fosse uma palmeira imperial. Digo palmeira, pois era bem o que ela me lembrava. Nunca tinha visto uma mulher tão bonita, tão altiva. Perturbadoramente bonita e quieta. Olhava para tudo, mas era como se não olhasse pra nada, era um olhar penetrante e impenetrável.
Depois de horas de angustiante quietude resolvo me aproximar, talvez ela não falasse português ou nenhum outro idioma, afinal, não é de estranhar? Uma mulher calada por tanto tempo?
Meio cabreiro me aproximo:
- Posso ajudá-la, senhora?
- Senhorita.
- Como queira.
De repente ela me olha com a expressão mais esquisita que já vi na vida, a mulher parecia querer me atravessar e ler meus pensamentos.
- O senhor acredita em destino?
- Como?
- Essa coisa de predestinação, nada é por acaso, tudo está escrito, enfim.
- Que diacho de pergunta mais estranha, aliás, toda essa historia é estranha. Primeiro a senhora, digo, senhorita, fica aí parada, caladona, com cara daquele bicho do Egito que devorava os viajantes...
- Esfinge.
- O quê?
- Esfinge, é o nome do ser que devorava os viajantes que não decifrassem seus enigmas.
- Ah! Então, primeiro a senhorita fica aí com cara de quem vai devorar o primeiro que atravesse seu caminho, depois me vem com uma pergunta estranha dessa, assim à queima roupa.
- Mas o senhor nunca se preocupou em saber se a gente já nasce com um destino todo prontinho, só esperando pela gente pra poder acontecer?
- Eu acho muito besta isso de gente vir ao mundo com o destino escrito na testa.
- Nas mãos.
- Como?
- Nas mãos, o destino da pessoa está escrito nas mãos.
- Vixe, agora que complicou. Então quem nasce sem as mãos, nasce também sem destino? Era melhor que fosse na testa, pelo menos nunca vi ninguém sem testa, já sem mãos...
- Engraçado, nunca tinha pensado nisso. Mas o senhor não acha curioso o fato de eu estar aqui há tanto tempo e só o senhor ter vindo falar comigo?
- Peraê, eu vim porque quis.
- Mas o que fez o senhor querer?
Pensei em lhe dizer a verdade, que foi aquele porte de palmeira, o corpo de parar de comboio de caminhão, os seios, as coxas, mas nessas horas é melhor demonstrar cavalheirismo.
- Eu pensei que estivesse perdida, sei lá, ficou aí à toa.
- Nada disso, foi coisa do destino, o senhor não vê?
Desisti de argumentar e confesso que já estava meio mexido com aquele papo.
A moça respirou fundo e continuou:
- Olhe, hoje aconteceu algo muito incomum, eu me atrasei e perdi o ônibus que tomo todos os dias, então resolvi tomar um outro que me deixaria perto do trabalho, me confundi, perdi o ponto e acabei vindo parar aqui.
- Pois bem, até aí nada de estranho. Quem nunca tomou o ônibus errado? Era só voltar e continuar seu caminho.
- Pois é, seria o óbvio, mas então eu me perguntei como seria se eu não chegasse ao trabalho hoje, na mesma hora de todos os dias depois de dez anos.
- Minha senhora, perdão, senhorita, no mínimo a senhorita receberá um baita esculacho do seu patrão.
- O senhor não está entendendo, tudo isso me fez pensar que o destino, o meu destino, ia dar uma reviravolta. Não vê? Não estamos aqui, nesse momento, conversando por acaso. O senhor estava no meu destino e eu no seu.
Confesso que me senti bem lisonjeado, afinal nunca havia estado no destino de uma mulher daquelas.
- Agora já sei o que me estava reservado pelo destino, pelo menos para hoje. Bem aí vem outro ônibus.
- Espera, então é assim? Eu entro no seu destino por uma porta e a senhorita sai por outra? Ou melhor, entra pela porta de um ônibus?
- Então, assim é o destino. Ele já vem pronto, mas a gente nunca sabe o que vai acontecer. O que a gente chama de vida é apenas o desenrolar do destino, a sucessão de seus acontecimentos.
- Se é assim, fica sendo. Quem sou eu pra contrariar né? Em todo caso, foi um prazer senhorita...
- Rafaela.
- Paulo, no seu destino e ao seu dispor.
Aqueles acontecimentos ficaram a martelar em minha cabeça, mas logo depois a mesa de bilhar roubou minha concentração e foi ali que me abordou esbaforido o moleque que entrega jornais com uma noticia ainda mais quente que as dos periódicos matutinos. Logo ali, na rua de baixo, um ônibus despencou da ladeira, bateu, capotou , levou tudo que encontrou pela frente, um miserê. Porém, o mais impressionante é que só houve uma vitima fatal, uma mulher, identificada como Rafaela da Silva.
Fiquei atônito, coitada, uma mulher tão bonita. Mas que destino!
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