segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Entre Tecidos


As fibras de teu corpo entretecidas em mim criam uma trama que me desnuda, ao invés de me cobrir. Sou colcha de teus retalhos, deixei que imprimisses em mim tuas cores e formas para te ter comigo, não importa onde eu esteja nem onde fores. Me deixei ficar ao teu lado, que caminhássemos lado a lado. Deixei que teus dedos fossem pincéis a desenhar girassóis sobre meu torso nu, que os teus olhos me banhassem e tuas palavras me cobrissem. Deixei que teu olhar se demorasse, se derramassem em aquarelas. Me deixei inteira ser tua tela.
Deixei que teu beijos minúsculos decalcassem em meu corpo sonetos, verso a verso, que tirasses de meus lábios musica e melodia, me deixei totalmente ser tua poesia.
Deixo que teu silêncio me complete, que tuas lembranças me lavem os olhos, que seja balsamo e maresia. Deixo seguir esse ser não sendo, esse mais bem realizado não acontecido, me deixo ser sua, mesmo sem ter sido.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Filhos terceirizados



A vida moderna está cada vez mais exigente. É preciso ir para a faculdade, fazer pós graduação, cursos e, para manter esse padrão moderno de vida, é preciso trabalhar. Nunca se trabalhou tanto. O mercado é competitivo, a concorrência é desleal e só há lugar ao sol para os melhores, leia-se aqui, para aqueles que trabalham de dez a doze horas por dia, no mínimo, desconhecem feriados, dias santos e finais de semana. É preciso ser o melhor para ter o melhor, melhor esse que, na maioria dos casos, nem chega a ser desfrutado, pois o tempo curto não permite tais futilidades.
As agendas estão cada vez mais apertadas, homens e mulheres de negócio, super profissionais do século XXI, brigam cotidianamente contra o tempo. Em virtude disso, muitas atribuições, que antes eram pessoais, acabam sendo delegadas a terceiros. Existem hoje, profissionais especializados para escolher desde a roupa que a pessoa vai usar, que moveis comprar, até o que comer. Preocupar-se com esses detalhes tornou-se perda de tempo. Atualmente, terceiriza-se tudo, inclusive a educação dos filhos.
Daqui a algum tempo, teremos a geração babá, dos filhos que foram criados com pouco ou nenhum contato com os pais. Basta observar a franca expansão das escolas em tempo integral, dos cursos de idiomas, esportes, artes, voltada para um publico alvo de crianças e adolescentes. Pais sem tempo para serem pais, cuidam de preencher também a agenda dos filhos. O que me preocupa é que tipo de formação moral essa geração está tendo, qual conceito de família estão desenvolvendo, quais os valores que estão adquirindo. Será que essa educação terceirizada pode substituir as relações familiares? Aquelas, tão em voga no século passado e que hoje mais parecem tema de historias da Carochinha.
Outro dia, em meio a uma conversa com um aluno um tanto indisciplinado, disse-lhe que se continuasse com aquele mau comportamento eu seria obrigada a conversar com seus pais, ele olhando para o nada, me desejou boa sorte e disse que está tentando fazer isso há anos.
A maioria dos pais já não comparece às reuniões escolares, é notável o aglomerado de vans na porta das escolas, pois os pais já não dispõem de tempo para levar e buscar os filhos à escola. Pais e filhos estão cada vez mais distantes, estranhos ligados por um laço de sangue e nada mais.
Uma vez, ouvi em uma palestra ministrada por uma psicopedagoga a historia “do nó na ponta do lençol”. Um certo pai, que trabalhava muito, não tinha tempo para ver os filhos pois saía muito cedo para trabalhar e só voltava tarde da noite. Ele sempre beijava os filhos ao sair e ao chegar, para que soubessem que ele estivera ali, todos os dias dava um nó na ponta do lençol de cada um dos filhos. Era a sua maneira de se fazer presente. Ao final da historia, todos aplaudiram, emocionadíssimos.
Me desculpem os partidários dessa pratica, mas nó na ponta do lençol não educa, não forma cidadãos, não transmite valores, não substitui a presença materna e paterna. O nó no lençol não serve como modelo, como exemplo a ser seguido, dificilmente será a partir dele que uma criança decidirá ser “igual aos pais quando crescer”.
Talvez essa transferência da responsabilidade de educar os filhos a terceiros seja uma das prováveis causas dessa geração tão perdida, vazia, carente, irresponsável e imatura. Está faltando a base, os pilares da formação de qualquer individuo, a família, essa instituição cada vez mais fragilizada, da qual já sentimos uma falta absurda.
Em minha opinião, quem tem tempo apenas para dar um nó na ponta do lençol, deveria repensar a idéia de ter filhos pois, mais pra frente, os estragos serão bem mais difíceis de consertar e um nó na ponta do lençol pode não bastar para solucioná-los.