terça-feira, 17 de agosto de 2010

Já saímos das senzalas

Depois de mais de 120 anos, ainda há quem não tenha percebido que saímos das senzalas. Vejo com um quê de surrealismo o comportamento de algumas pessoas que se quedam completamente pasmas ao saber que é um negro quem ocupa determinado de cargo de chefia, que perdem as palavras ao entrar em um consultório medico e constatam que serão atendidas por um (a) profissional negro (a).
Passado tanto tempo, ainda causa espanto que não estejamos apenas em sub-empregos, que não andemos mais de pé descalço, vestindo trapos de aniagem. Ainda somos atração nos redutos elitizados, nos condomínios de luxo, nas universidades e demais locais freqüentados por intelectuais. Ainda é motivo de escarcéu um presidente negro eleito, como se a abolição da escravatura fosse um bebê recém nascido e não uma senhora centenária.
Esta semana, (quero crer que devido à urucubaca da sexta feira treze) duas situações me chamaram á atenção para esse persistente e insistente modus vivendi da nossa sociedade. A primeira foi a caminho do trabalho, de jeans, camiseta, tênis, jaqueta e mochila, fui parada em uma blitz policial, como dizemos em baianês corrente, era meu primeiro “baculejo”. A policial grosseiramente, mandou que encostasse na viatura, exigiu meus documentos e esvaziou o conteúdo da mochila no chão. Perdeu metade da confiança quando viu meus livros caindo da mochila, a outra metade, quando perguntou se eu era estudante e respondi, senhora da situação: na verdade, senhora, sou pós graduanda. Juro que não consigo descrever o semblante dela no momento, uma mistura de surpresa e incredulidade. Em seu socorro veio o superior, desculpou-se, disse-me que deveria ter avisado que sou universitária e professora. Perguntei se uma empregada doméstica analfabeta merecia menos respeito que eu, se devia carregar meu diploma, assim como os negros forros carregavam suas cartas de alforria. Não houve resposta, apenas um roto pedido de desculpas. Ser negro, ainda é uma atitude suspeita. Ah! A policial é negra, assim como o eram os capitães do mato e alguns feitores.
A segunda situação aconteceu em minha casa. Uma jovem recenseadora do IBGE chegou ao condomínio (quem nem é de luxo) para fazer seu trabalho. Para em frente à minha casa, dirige-me um seco bom dia e me pergunta se os donos da casa estão. Penso que o fato de eu estar varrendo a garagem tenha perturbado um pouco os critérios de julgamento da criatura. Respirei fundo, tentei não lembrar da policial e prometi a mim mesma não criar um caso. Respondi que sim, a dona da casa estava, convidei a moça a entrar, ofereci uma cadeira, sentei-me à sua frente e disse-lhe que podia continuar seu trabalho. Ela não entendeu a sutileza. Mas você é a dona da casa? Insistiu. Perdi a calma, olhei nos olhos dela e respondi: Não, eu sou paranormal, através das vibrações do ambiente sou capaz de lhe informar tudo sobre os moradores daqui, desta e de outras vidas.
Pediu desculpas, enrolou-se com as perguntas, na saída, agradeceu e desculpou-se novamente, disse-lhe: “tudo bem, você certamente não é a única ignorante que pensa que um negro com uma vassoura em frente a uma boa casa seja empregado”. Ela se foi de olhos baixos. A moça do censo, que não prima pelo bom senso, também é negra.
Chego á triste conclusão de que precisaremos de mais uns tantos séculos para que a sociedade “caia na real”, para que eu deixe de ouvir frases como “você que é a professora?” ditas com tanta incredulidade e desconfiança, para que as pessoas deixem de ser suspeitos em potencial por causa da cor da pele, pois como disse D. Basílio do Nascimento, “é a realidade e não se pode mudar as mentalidades por decreto. Esperemos que a nova geração que aí vem seja formada de uma outra maneira, tenha consciência da realidade, mas, sem dúvida nenhuma, vai levar tempo.”
Esperemos pois, mas não o façamos passivamente, há muito pelo que brigar, há muito pelo que se impor, ainda há muito a ser conquistado.

2 comentários:

  1. Excelente post Pimenta, sóbrio, verdadeiro, agridoce.

    Pois é, infelizmente isso ainda acontece e muito em nossa sociedade... Mal sabem o que perdem, tanto brancos, negros ou indios em agir dessa maneira ridícula, aliás, tenho cá minha teoria, existem mesmo brancos no Brasil? Pois digo, que até mesmo um Hermeto Pascoal tem lá um cadinho de sangue africano e isso pra mim é o máximo, é o que nos faz um povo distinto.

    Bjos

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  2. aaaahhhhhh comentei ontem que eu tava com raiva disso, o preconceito começa dentro da minha casa com uma mãe preta que não gosta de pretos.
    Isso me arrepia a espinha, me embrulha o estômago!!! Atitudes ridículas. lamentável.
    Poucas coisas me tiram do sério, mesmo. Mas preconceito de raça/cor me deixa com a vista turva e agressividade à flor da pele.
    Ok, minha mãe há de morrer do coração um dia, quando eu arranjar um genro negão (lindo como só eles são) e apresentar pra ela! kkkkkkkkk

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