Depois de mais uma via crucis pelas lojas de cosméticos, resolvo parar em uma das mais bambambans da cidade. Vago aborrecida pelos corredores, procuro insistentemente (e em vão) a ver se alguma marca, atendendo aos meu vários e mails, já lançou uma linha de produtos para cabelos naturalmente pixaim. Sim, porque se encontram produtos para todos os tipos de cabelos, lisos, alisados, secos, molhados, com química, tingidos, cacheados, exceto para os crespos, rebeldes, indomados, ou seja, os meus. Converso com a vendedora, pergunto se fabricam algo do gênero, ele me conduz até a seção dos “cacheados”, olho para ela com meu olhar mais bondoso, aquele que faz murchar pimenteira, gentilmente explico: “Ana Paula Arósio tem cabelo cacheado, o meu é pixaim mesmo”, a mulher me olha como se eu acabasse de me declarar nazista, ou qualquer coisa do gênero. Vai ver ela acha ofensivo ter cabelo pixaim. Em seguida deixo-me conduzir à seção dos “afro”, até que me animo, isso até ler as letras miúdas dos rótulos: “para cabelos danificados e quimicamente tratados”, traduzindo, para “crespas” que queriam ser “lisas” e agora estão com o cabelo detonado. Desisto, me rendo mais uma vez aos produtos para cabelos normais (?), tentando imaginar o que, por definição seria um cabelo normal ou anormal, me convenço que o meu deve ser do tipo anormal, pois a moça que me sorri na embalagem, exibe uma longa cabeleira lisa e esvoaçante.
Vou ao caixa, contrariada mesmo, certas coisas ainda ficam atravessadas na garganta e, se porventura engulo, não consigo digerir. A moça sorridente me comunica que, pelo valor comprado, tenho direito a uma “transformação”, me animo, será que vão me transformar em uma mulher rica, bonita e inteligente?
Sigo uma garota até o salão de beleza que funciona dentro da loja, mais sorrisos me recepcionam, um rapaz me olha com cara de manicure quando olha uma unha encravada e começa a me por a par da situação, se tudo desse certo, em mais ou menos uma hora, eu estaria igualzinha à Rihana, palavras dele, juro! Vai ficar lindo, suspirou afetado, me olhando com a mesma cara que os apóstolos devem ter feito quando disseram ao aleijado: Levanta e anda!
Ele deve ter confundido o meu olhar fulminante com algum tipo de emoção. Esse “vai ficar lindo”, dito assim com tanto entusiasmo, me atingiu com uma bigorna. Fiquei triste, mexida mesmo. Vi com uma nitidez fantástica o quanto as pessoas são influenciadas por essa tal padrão de beleza midiático, o meu cabelo não é lindo, para sê-lo, será preciso um processo químico devastador .
É realmente triste a desvalorização do que é natural, de como ser “normal” perdeu a graça e se tornou um elemento pitoresco. Antes o artificial era que chamava a atenção, hoje atraio olhares por ser, na maioria das vezes, a única “diferente” entre as mulheres em determinados ambientes. Diferente por ser natural.
Engoli a raiva, frustração, sei lá o quê, afinal, brigar com quem? Expliquei que gosto do meu cabelo assim, que o acho lindo e que, se ele pudesse fazer algo para que minha cabeleira se tornasse ainda mais expressiva e opulenta eu aceitaria de bom grado. Saí de lá com algumas dicas e crivada pelos olhares dos curiosos que adorariam ver a tal transformação. Sem duvida me acharam um prato cheio, tipo um poodle preste a virar um Shih-Tzu.
Às vezes até me divirto quando percebo o olhar furioso de algumas mulheres para mim, como se eu fosse uma espécie de traidora, a expor publicamente um tão intimo segredo da maioria das alisadas.
Não levanto bandeira, não sou nenhum tipo de ativista, apenas quero que parem de me empurrar goela a abaixo os padrões, as tendências, os moldes. Eu não quero ser a Rihana, nem parecer com ninguém, quero ter minha cara, meu jeito, quero ser parecida comigo, quero que entendam: eu gosto do meu cabelo pixaim, gosto de ser quem sou e da menina que me olha todos os dias do espelho, não tenho problemas em estar fora dos padrões, e quer saber, abusada e convencida como sou, sou feliz em SER meu próprio padrão.