domingo, 12 de setembro de 2010

Mainha

Depois de tantos sóis, finalmente chegam ao papel os versos que inúmeras vezes morreram em minha garganta. Afrouxados os nós do apego, abrandado o choro insistente de lembrar de ti, esses versos agora brotam e escorregam dengosos, suaves e macios, como você. Irrompem dos soluços para falar de ti, mainha, de minhas saudades e de meu querer bem.
Hoje já consigo falar teu nome, evocar tua risada boa e apagar aquela imagem triste dos nossos últimos dias. Trago a lembrança tua, logo de manhã cedo desperta, dizendo que “faz mal deixar o sol passar sobre nossa cabeça com a gente ainda dormindo”, coisa tua, dos teus dizeres e superstições.
Agora te entendo tão bem, as chatices, as preocupações, o teu jeito próprio de amar e de ser carinhosa. Como você soube ser mãe! Com que bravura desempenhou o duplo papel, pai e mãe. Tanta coisa tua que demorou a fazer sentido para mim. Sei que quando dizia “como depois”, na verdade não comia. O pão era pouco e muitos os filhos. Sei que chorava escondido, mas, mesmo em tempos difíceis, não te falhava o sorriso.
Lembro de você desesperada, a correr o Paraguaçu, com a vara de goiabeira em riste, em busca dessa sua ovelha que todos os dias se desgarrava e, quando finalmente me encontrava, em banhos de rio ou outras aprontações junto com os moleques, dava um suspiro de alivio por me constatar viva, o que é claro, não me livrava dos açoites.
Era grande o teu medo que eu me perdesse, era grande o teu medo de que qualquer uma das tuas crias se perdesse, por isso sempre ia nos buscar, mesmo quando dizia lavar as mãos e “entregar pra Deus”. Sei que nos meus momentos de rebeldia, se aproximava de minha cama e, enquanto eu fingia dormir, colocava a mão sobre minha cabeça e orava por mim. Era louco nosso caso de amor, eu te deixava louca com meu gênio ruim, que você, não sei porque, atribuía à minha família paterna.
Lembro de sua voz emocionada a me dizer que nasci em um dia das mães, de como sempre fui inteligente, atrevida e geniosa, de como fui precoce em tudo, inclusive na necessidade de levar palmadas.
Foram tantos nossos perrengues, eu visionária, querendo voar sozinha. Você, interiorana, conservadora, mãe à moda antiga, me querendo sob suas asas. Por tantas vezes, pareceu que falávamos línguas completamente diferentes. Fico feliz que tenhas vivido pra ver que o caminho que escolhi me levou onde eu queria, que ao contrário dos teus medos, não me feri com gravidade nem sofri fraturas irremediáveis. Fico feliz também, por ter te falado do meu amor, gratidão, respeito, amizade e reconhecimento, por ter te feito saber que fostes a melhor mãe que eu poderia ter, que me fez a mulher que sou, me ensinou valores, uma mãe que, admito, nunca terei capacidade de ser.


4 comentários:

  1. Ai... eu não devia ter lido isso... [olhos cheios d'agua] e ainda com Vanessa da Mata ao fundo cantando 'a força que nunca seca' juro que não programei, for por acaso, uma lista de reprodução aleatória aqui... Pronto!
    Eu e minha mãe não estamos nos melhores dias
    e esse texto aí joga tantas verdades na minha cara...
    Sei não, sei não...
    =S

    Ps.: o texto é liiindo, tocante...(muito!) é isso, eu que nem sei...

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  2. Cheguei aqui pelo twitter [deu trabalho, acho que vc postou o link errado].

    Gostei muito do texto... Simples e ao mesmo tempo tão intenso, falando do amor materno sem cair em velhos clichês. Emociona!

    :)

    www.papoderomeuejulieta.blogspot.com

    www.relicariovazio.blogspot.com

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  3. A cada dia tu me impressiona mais sabia?
    Texto lindo e tocante. e encher os olhos e balançar o coração.


    Há poesia em você sim!

    Bjos

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  4. Que texto perfeito..Intenso...Lindo!
    Se tratando de mães é assim que deve ser.
    Perfeito!
    Abraço.

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