quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Desamor


Assim como, na maioria das vezes, não se sabe ao certo quando se começa amar, não se sabe quando deixa de amar. O processo de desamar parece seguir as mesmas regras. É difícil precisar quando aquele leve aumento no ritmo cardíaco virou borboletas no estomago, suores, tremores nas mãos e falta de ar. Quase impossível lembrar quais gestos ou palavras nos fizeram ter certeza de aquela era a pessoa com quem queríamos passar o resto da vida. Da mesma forma, é quase impossível dizer quando amor acaba. Pois sim, ele acaba.
Amor não é auto-suficiente, assim como não surge espontaneamente e precisa ser provocado para acontecer, também precisa ser provocado a continuar existindo. Ele não é um cacto, capaz de sobreviver a imensos períodos de seca e voltar a florir às primeiras chuvas. Desconfio que o amor seja uma daquelas plantinhas cheias de frescuras, que não pode ser aguada demais senão “afoga”, nem de menos, para que não seque, que precisa de sol e escuridão na dose certa e que, de tempos em tempos tem que ser limpa das ervas daninhas. O amor morre de sede e de inanição. O perigo é que nem sempre percebe-se o processo, ele vai definhando devagar e silenciosamente, quando se dá conta já não há como salvá-lo.
O poeta Virgilio escreveu “o amor tudo vence”, me atrevo a completar com: “menos à falta de amor”. Não se ama sozinho.
Um dia dá-se conta que ele não está mais lá, há apenas um vazio ou uma grande interrogação. Quando começaram rarear os elogios? Quando o beijo tornou-se mecânico? Quando o estar junto passou a ser apenas cômodo? Quando sumiram as borboletas do estomago? Quando o “eu te amo” começou a morrer na garganta?
Nunca sabemos o lugar, a hora, o momento exato em que se começa desamar, não se sabe quando caiu a primeira peça e deu-se inicio ao efeito dominó. Sabe-se apenas que, um dia sentimos falta do amor, procuramos por ele e já não o encontramos. Partiu-se em mil fragmentos de desamores, impossível de juntar novamente e colar. Não há cola para amor em migalhas e ainda que houvesse, amor remendado não serve.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Berlinda

Inevitavelmente chega aquele momento de sua existência, quando você se acha gente grande e dono do próprio do nariz, em que a vida te apronta o que eu chamo de “a maior das sacanagens”. Depois de ter penado muito, e já se acostumando com o que chamam de situação confortável, aí vem ela e te puxa o tapete.
A coisa vem meio de mansinho, pouco tempo depois que se começa a achar que está tudo bem. Um belo dia você acorda com aquele comichão, aquela sensaçãozinha chata de falta de alguma coisa, semelhante ao que acontece quando se tem fome, mas não do que temos na despensa. Você não sabe o que deseja, sabe apenas que não o tem. Primeiro vem a angustia, o inferno da busca, da vontade do que não se sabe, depois a culpa, aí você se pergunta o que te falta e, finalmente descobre que é daquelas pessoas que não nasceram para sonhos realizados e sim para a busca eterna do “algo mais.”
Mas como abrir mão do que se tem para empreender outra grande navegação sem que te suponham louco?Como partir as ligas que teimam em te calcificar ao solo? Como vencer aquela outra parte do seu ser, chamada razão, que freia o tempo inteiro tuas decisões passionais?
E essa é a grande sacanagem da vida, a berlinda, bifurcação. Quando você quer o doce e quer ficar com o dinheiro. Quando finalmente descobre que não existe o tal caminho do meio, só a direita e a esquerda. Você, a beira do penhasco, sem para quedas, sem saber se há redes de proteção, brigando entre o desejo de voar e o medo de quebrar as asas. Difícil escolha entre a chata e tediosa certeza ou a imensidão do abismo, atraente, deliciosamente perturbadora, que te desperta todas as fibras do corpo e te tira o sono.
Algumas pessoas se jogam de cabeça, mas somente algumas. A maioria, a esmagadora maioria, evita voltar ao penhasco. Nem todo mundo consegue “largar tudo e virar hippie”, por isso sempre existirão os empregos odiados, os casamentos de aparências, as relações falidas e os milhões de pessoas infelizes, por isso ainda existem suicidas e o mal do século é a depressão.
Confesso que tenho um medo danado dessa vontade de pular do abismo, sei que mais cedo ou mais tarde acabo indo, talvez quebre mais uma vez as asas, ganhe mais algumas cicatrizes. Sei que talvez me arrependa muito ou não.
O fato é que sempre acabo indo, sempre acabo pulando de cabeça, só porque não sei ser infeliz.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A beleza do que não sou


Admiro a sutileza, quem consegue dizer coisas banais de um jeito mágico, poético, quem tira lirismo das tragédias cotidianas, enxerga o copo sempre meio cheio e extrai a beleza das coisas como se extrai o remédio da peçonha de alguns animais. Gosto dos desenhos, dos painéis irisados, dos textos cheios de sons, escritos para se ler, comer, sentir e cheirar, que de tão leves parecem flutuar, escorregar, derramar pelo papel, penetrando em minha pele, misturando-se à corrente sanguínea me deixando impregnada da leitura e com a sensação de mãos cheias de bonitezas e deleites.
Eu sou do tipo estabanada, aquela do “pronto, falei!” vai ver é porque a força, a agressividade, a doçura de fel que há em mim, não possa ser contida, aí extravasa pelos dedos e ganha o mundo. O texto vai assim, como um rio de lava, abrindo caminho e deixando marcas. Muitos nascem de violentas erupções. Não tenho heterônimos, eu poético, quase todos são autobiográficos, a maioria, impublicável, ou talvez, um excelente material para publicação póstuma. Sou um vinho virado vinagre.
O lirismo não me sorriu, a Musa não me deu trela, sobrou-me o texto seco, desprovido de meandros e subterfúgios, textos nascidos e mantidos nus, não têm manto que os cubra, suas vergonhas expostas e, quando (e sempre) existem, também as chagas.


Dedico esse post à querida Keudevir , cujo texto supre minha necessidade vital de boniteza e poesia.





terça-feira, 17 de agosto de 2010

Já saímos das senzalas

Depois de mais de 120 anos, ainda há quem não tenha percebido que saímos das senzalas. Vejo com um quê de surrealismo o comportamento de algumas pessoas que se quedam completamente pasmas ao saber que é um negro quem ocupa determinado de cargo de chefia, que perdem as palavras ao entrar em um consultório medico e constatam que serão atendidas por um (a) profissional negro (a).
Passado tanto tempo, ainda causa espanto que não estejamos apenas em sub-empregos, que não andemos mais de pé descalço, vestindo trapos de aniagem. Ainda somos atração nos redutos elitizados, nos condomínios de luxo, nas universidades e demais locais freqüentados por intelectuais. Ainda é motivo de escarcéu um presidente negro eleito, como se a abolição da escravatura fosse um bebê recém nascido e não uma senhora centenária.
Esta semana, (quero crer que devido à urucubaca da sexta feira treze) duas situações me chamaram á atenção para esse persistente e insistente modus vivendi da nossa sociedade. A primeira foi a caminho do trabalho, de jeans, camiseta, tênis, jaqueta e mochila, fui parada em uma blitz policial, como dizemos em baianês corrente, era meu primeiro “baculejo”. A policial grosseiramente, mandou que encostasse na viatura, exigiu meus documentos e esvaziou o conteúdo da mochila no chão. Perdeu metade da confiança quando viu meus livros caindo da mochila, a outra metade, quando perguntou se eu era estudante e respondi, senhora da situação: na verdade, senhora, sou pós graduanda. Juro que não consigo descrever o semblante dela no momento, uma mistura de surpresa e incredulidade. Em seu socorro veio o superior, desculpou-se, disse-me que deveria ter avisado que sou universitária e professora. Perguntei se uma empregada doméstica analfabeta merecia menos respeito que eu, se devia carregar meu diploma, assim como os negros forros carregavam suas cartas de alforria. Não houve resposta, apenas um roto pedido de desculpas. Ser negro, ainda é uma atitude suspeita. Ah! A policial é negra, assim como o eram os capitães do mato e alguns feitores.
A segunda situação aconteceu em minha casa. Uma jovem recenseadora do IBGE chegou ao condomínio (quem nem é de luxo) para fazer seu trabalho. Para em frente à minha casa, dirige-me um seco bom dia e me pergunta se os donos da casa estão. Penso que o fato de eu estar varrendo a garagem tenha perturbado um pouco os critérios de julgamento da criatura. Respirei fundo, tentei não lembrar da policial e prometi a mim mesma não criar um caso. Respondi que sim, a dona da casa estava, convidei a moça a entrar, ofereci uma cadeira, sentei-me à sua frente e disse-lhe que podia continuar seu trabalho. Ela não entendeu a sutileza. Mas você é a dona da casa? Insistiu. Perdi a calma, olhei nos olhos dela e respondi: Não, eu sou paranormal, através das vibrações do ambiente sou capaz de lhe informar tudo sobre os moradores daqui, desta e de outras vidas.
Pediu desculpas, enrolou-se com as perguntas, na saída, agradeceu e desculpou-se novamente, disse-lhe: “tudo bem, você certamente não é a única ignorante que pensa que um negro com uma vassoura em frente a uma boa casa seja empregado”. Ela se foi de olhos baixos. A moça do censo, que não prima pelo bom senso, também é negra.
Chego á triste conclusão de que precisaremos de mais uns tantos séculos para que a sociedade “caia na real”, para que eu deixe de ouvir frases como “você que é a professora?” ditas com tanta incredulidade e desconfiança, para que as pessoas deixem de ser suspeitos em potencial por causa da cor da pele, pois como disse D. Basílio do Nascimento, “é a realidade e não se pode mudar as mentalidades por decreto. Esperemos que a nova geração que aí vem seja formada de uma outra maneira, tenha consciência da realidade, mas, sem dúvida nenhuma, vai levar tempo.”
Esperemos pois, mas não o façamos passivamente, há muito pelo que brigar, há muito pelo que se impor, ainda há muito a ser conquistado.

domingo, 15 de agosto de 2010

Fale a verdade ou tenha amigos



Definitivamente, não dá para ser cem por cento verdadeiro e conservar as amizades. É incrível como as pessoas (inclusive eu) têm dificuldades para lidar com a realidade, aquela, vedete de revista masculina, nua e crua.
Quem vai visitar uma amiga recém parida e tem coragem de responder sinceramente à terrível pergunta que só se faz a uma amiga intima e quase irmã: você acha que estou muito gorda? Ou de contrariar a afirmação materna sobre o joelhinho agasalhado no berço: Ele não é lindo?
Pois é, falar a verdade nesses momentos pode causar não só um rompimento doloroso como uma depressão pós parto.
Uma vez fui convidada para uma festa de aniversário do filho de uma amiga, o detalhe é que não tenho filhos, aliás, a única do grupo da adolescência que ainda não procriou. Ela me liga, toda feliz e radiante por comemorar o primeiro aniversário do rebento e, deixa claro o tamanho da importância da minha presença lá. Pra começo de conversa, acho uma tremenda bobagem aniversário de um ano, a criança é ainda um bebê, só vai ser estressada pela quantidade enorme de pessoas desconhecidas, pelo barulho que vai atrapalhar sua rotina, pela fantasia, digo roupa, que vai ter que usar, pelos adultos no sense que vão apertá-la, carregá-la no colo, no meio de tudo isso o choro do aniversariante é quase inevitável e, na totalidade dos casos, ele nem sabe que cargas d’água significa toda aquela aporrinhação.
Imagina o incidente diplomático que causaria se revelasse o motivo de minha pouca motivação para comparecer ao evento festivo? Preferi é claro, usar uma das muitas mentiras que semeamos ao longo da nossa vida em prol da manutenção de nossas relações sociais. Alguns anos depois, acabei falando a verdade (e ela concordou comigo) mas ali, na hora, com ela no grau maximo da emplogação,seria fatal.
Mentimos ao responder que está tudo bem quando a vida tá um caos, quando parabenizamos a amiga que anuncia o casamento com aquele carinha mais ou menos, quando estamos naquela festa chatíssima e o anfitrião nos pergunta se estamos gostando. Mentimos quando aquela pessoa inconveniente nos pergunta por que nunca a convidamos para ir à nossa casa e mentimos ao responder que “qualquer dia” iremos à casa dela. Enfim, mentimos porque, na maioria dos casos, falar a verdade é grosseiro e mal educado.
Mentimos para ensinar às crianças que não se deve mentir – Olha, seu nariz vai crescer!- mentimos para salvar nossa pele, para não magoar nem ofender às criaturas mais sensíveis. Mentimos porque entendemos que, quando aquela amiga querida nos pergunta “meu cabelo está horrível né?” na verdade ela quer ouvir uma palavra de apoio e incentivo, tipo “Olha, até que não está ruim...” mentimos porque somos sensíveis e seres altamente sociais, se só falássemos a verdade, toda sociedade ruiria.
Quando uma pessoa me pede para ser totalmente sincera, desconfio no ato. Geralmente elas já sabem a resposta, e apenas procuram a quem odiar por verbalizar a verdade maldita e inevitável.
Confesso que já fui mais sincera, e tinha bem menos amigos, nenhuma amizade resistia aos meus ataques de sinceridade, às resposta certeiras. Entendi que, em alguns casos, a verdade é apenas um acessório e não um termo essencial para as boas relações sociais. Aprendi a viver, ou seja, a mentir em sociedade.
P.S. Acho que até que não deveria ter sido tão verdadeira.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Norma Ativa II


Em um pretérito mais que perfeito, eu amara. Nunca, em qualquer tempo ou modo, um sujeito foi tão explícito e os verbos tão abundantes. De tão ativos, éramos capazes de qualquer flexão. Nós dois, exceção da regra, sempre adjuntos, concordávamos por atração.
Por conta de uma irregularidade, agora falamos diferentes línguas, seguimos outras cartilhas. É hora de nos propormos um novo acordo, antes que venha o ponto final.